sábado, 10 de novembro de 2012

Letter for Veronica


Querida Veronica Wedgwood

Ainda não abordei tudo o que está relacionado com Veronica Wedgwood. Repugna-me traçar a verdadeira imagem dela, tal qual a tenho dentro de mim. Algum dia, foi a primeira inglesa que lutou com entusiasmo e convicção por Die Blendung. Investiu tempo e trabalho na tradução. Ela também simpatizava muito com Friedl, especialmente com a nossa relação: a aluna que ama o seu professor e com paixão deixa-se formar por ele. Friedl decepcionou-a depois por sua vida, por uma dependência temporária dela. A frequente rejeição de Auto-de-Fé, que realmente era relativa - já havia naquele tempo pessoas para as quais era muito importante -, a pretensão de Massa e Poder, que finalmente saiu e que ela tentou favorecer com um ensaio muito positivo, mas sem nunca tê-lo lido realmente, a minha terrível decepção quando percebi que ela não conhecia o livro, que este não o tinha tentado depois de ter ouvido falar tanto dele durante os anos, finalmente - e isso foi o último - o seu entusiasmo pela Thatcher, expressado por ela enquanto historiadora - ela via em seu governo uma nova era elisabetana -, tudo isso faz com que seja quase impossível para mim falar dela de maneira verdadeira e pormenorizada. Poderia dizer tantas coisas que ela me confidenciou, mas não consigo, ouço a sua voz calorosa, aliciante, vejo seu pai em Leith Hill diante de mim, de quem gostei a primeira vista, sua mãe soberba, que não gostava da filha por que não desejara ter uma filha e que por toda a vida foi uma opressão para Veronica.  Sobre estas coisas, que realmente a caracterizavam, não posso falar. Aquilo que escreveu pouco estimo. Ela não tinha originalidade nem pensamentos próprios sobre nada. Mas gostava de escrever, escrevia com afinco, lia fontes, cartas, documentos, diários, sua curiosidade era realmente insaciável, mas não o suficiente, e principalmente: ajustava seus pensamentos a quaisquer correntes de pensamento em voga, quer fossem de cunho histórico-político, quer fossem de cunho psicológico. [...] Só posso registrar traços pessoais seus, momentos nos jardim de Downshire Hill, quando discutíamos o último capítulo da tradução e Friedl observava-nos da janela do primeiro andar e preparava então o nosso chá. Foi Veronica que, com grande tenacidade, exigiu de Jonathan Cape a publicação de Auto-de-Fé. De inicio, não estava em questão que ela traduziria o romance. Eu pensara em Isherwood por que gostava de seu livro sobre Berlim. Só aos poucos, com hesitação, Veronica manifestou a ideia de ela mesma traduzir o texto – com a minha ajuda-, e eu concordei, com a ressalva de que o livro não poderia sair durante a guerra. [...]



Eu gostava realmente de Veronica. Confiava nela. Ela era o calor de quem eu tanto sentia falta entre os intelectuais ingleses, pelo menos até onde os conhecia. [...] Era difícil encontrar na historia espiritual humana uma estirpe parecida.


Com amor,
Elias Canetti


*** Festa sob as bombas
Pg. 23-25

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